Estabelecer um novo pacto comercial que consiga mudar o atual panorama de um mercado editorial concentrado e estagnado para um quadro de crescimento e que favoreça também o pequeno livreiro. Esse deve ser o objetivo de uma lei que institua o preço fixo do livro no Brasil, segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Marcos da Veiga Pereira. As considerações foram feitas durante o “Seminário Internacional sobre Políticas Públicas do Livro – Lei do Preço Fixo”, realizado dia 30 de junho, em Brasília.
A iniciativa do evento foi da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, motivado pela apresentação do PLS 49/2015 que institui o preço fixo do livro pela senadora Fátima Bezerra, vice-presidente da Comissão.
“Nosso mercado está absurdamente desregulado, o que gera uma grande concentração. Atualmente, 16% do total de pontos de vendas de livros no país respondem por 70% das vendas. Além disso, 15 editoras representam 60% do mercado. Esse quadro faz com que editores e livreiros fiquem com uma agenda reativa e isso é desgastante”, afirmou o presidente do SNEL que participou da mesa “Panorama do mercado livreiro nacional” ao lado dos presidentes das principais entidades do livro do país: Luís Antonio Torelli (Câmara Brasileira do Livro), Afonso Martin (Associação Nacional de Livrarias) e Raquel Menezes (Liga Brasileira de Editoras); além do representante da Livraria Leitura, Marcos Teles; e da Catavento Distribuidora, Julio Cesar da Cruz.
O seminário foi aberto pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira. Ele afirmou que o Brasil “não dá a importância necessária à leitura” e considerou “uma vergonha” o índice de livros per capita/ano do país ser de apenas 1,7. Ferreira defendeu que seja feita uma campanha de estímulo à leitura “semelhante à contra a paralisia infantil”:
“É de uma gravidade enorme a questão da leitura. Nosso índice de leitura é abaixo de vários países vizinhos. O Brasil, sétima economia do mundo, nunca deu a importância necessária à leitura. É um índice muito baixo para que a gente não fique preocupado, como nação”, disse o ministro.
Ferreira defendeu que haja um melhor ambiente regulatório para a cultura, para desestimular o fechamento das livrarias de rua e para impedir que autores e compositores brasileiros deixem de receber direitos autorais. Ao seu lado, na mesa “As políticas de incentivo ao acesso ao livro e à cultura no Brasil” estavam o secretário-executivo do Ministério da Educação e ministro interino, Luiz Cláudio Costa e o secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), José Castilho.
Para o ministro interino da Educação, uma lei do preço fixo deve permitir que todo o cidadão possa ter acesso a mesma literatura disponível nas grandes cidades e regiões metropolitanas:
“Não podemos permitir que um jovem, pela sua classe social, pelo seu CEP ou qualquer outra condição ele seja privado da leitura. Ele tem que ter esse acesso. A tendência que temos hoje, se não cuidarmos disso, é o jovem se afastar cada vez mais da leitura por diversas razões. Hoje existem outros atrativos”, observou.
Já o secretário-executivo do PNLL destacou a importância do projeto de lei sobre preço fixo chegar ao debate no Congresso Nacional, contando com o respaldo de todo o setor livreiro do País.
A mesa “Lei do preço fixo no mundo” reuniu os convidados internacionais do evento. Diretor geral do Escritório Internacional da Edição Francesa (BIEF), Jean-Guy Boin afirmou que a lei não impede a concorrência, ao contrário, estimula a concorrência sobre a qualidade dos serviços oferecidos.
Ele lembrou que, no seu país, a Lei do Preço Fixo foi instituída em 1981, depois de uma crise iniciada com a inauguração da primeira loja da Fnac, em 1974.
“No período de 30 depois da Segunda Guerra, até 1970, a França viveu um boom econômico. Quando foi criada, em 1974, a Fnac começou a oferecer descontos sistemáticos de 20% nos livros. Na sequência, os hipermercados começaram a praticar descontos de 30%. Em 1978, já vivíamos uma situação muito dramática. Em 1981, o presidente François Mitterrand criou a lei do preço fixo sob o pretexto de garantir o acesso ao livro”, resumiu. “Hoje, os grandes inimigos da Lei no início – a Fnac e os hipermercados – reconhecem a sua importância”.
Já o presidente da International Publishers Association (IPA), Richard Charkin, explicou que não existe imposição no preço a ser praticado. Na sua opinião, a fixação de preço de livros seria “um grande benefício” para todos os envolvidos no Brasil. Ele contou que, até 1995, o Reino Unido mantinha o Net Book Agreement, um pacto entre os elos da cadeia produtiva do livro que fazia uma auto-regulamentação do mercado editorial e livreiro no país:
“Hoje temos menos de mil livrarias independentes no país. Esse número representa apenas 4% dos rendimentos totais do mercado. Acredito que a fixação de preços de livros seria uma grande vantagem para os players do mercado brasileiro, mas isso não é suficiente. Deve ter um apoio contra a construção de monopólios e contra a pirataria”.
O presidente da CBL, Luís Antonio Torelli, abriu a última mesa expondo dados das pesquisas Retratos da Leitura no Brasil, feita pelo Instituto Pró-Livro; e Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE/USP).
Ele sugeriu a adoção, por parte do poder público, de medidas como isenção da cobrança de IPTU e a criação de programas de financiamento como forma de estimular a abertura de livrarias. Na sua opinião, a aprovação da lei do preço fixo tornará mais saudável a competição entre grandes e pequenos varejistas.
Para Júlio Cesar A. S. da Cruz, da Catavento Distribuidora, uma forma de aumentar o número de leitores é ampliar o próprio acesso ao livro. Isso pode ser feito, em um primeiro momento, com a venda de livros em locais não tradicionais:
“A maioria da população brasileira não é de leitores, mas de consumidores. Vamos colocar o livro em postos não tradicionais, para estimular a compra por impulso. Essa pode ser a porte de entrada para transformar o consumidor em leitor. E é o leitor que vai à livraria. Com o preço fixo, ninguém se sentirá lesado ao consumir um livro em um local diferente da livraria”, afirmou.
Marcos Teles, da livraria Cultura, explicou que a lei do preço fixo só limita desconto em livros por até 12 meses após seu lançamento. Quando o lançamento não sofre um grande desconto, permite, segundo ele, quer editores e livreiros trabalhem “com uma média” que permite a manutenção dos catálogos, o que garante a bibliodiversidade.
Já a presidente da Libre, Raquel Menezes, destacou a importância de se fortalecer a regionalização dos livros, como forma de “potencializar” a cadeia produtiva e evitar sua concentração.
O presidente da ANL comparou a lei do preço fixo às normas de trânsito:
“A Constituição garante o ir e vir, mas para que isso aconteça, normas de trânsito foram fixadas para o bem de todos”.
Ele lembrou também que a lei brasileira já determina que cabe ao editor estabelecer o preço do livro. Isso significa, na sua opinião, que “já há uma regulamentação para o livro nacional”. No quadro atual, só o varejo não está regulado, “o que gera distorção”.
“Uma roupa sofre liquidação somente no final de cada estação. Já o livro sofre liquidação no seu lançamento”, observou Afonso Martin.
O presidente do SNEL, Marcos da Veiga Pereira, afirmou que o setor no Brasil ainda está longe de explorar seu potencial. Para comprovar isso, fez as contas: o mercado francês tem um faturamento de 2,8 bilhões de euros; o mercado brasileiro faturou em 2014 somente com vendas ao mercado 4,2 bilhões de reais (cerca de 1,4 bilhão de euros):
“É metade do mercado francês com uma população três vezes maior”, observou.
Sobre a iniciativa da senadora Fátima Bezerra de apresentar o projeto de lei e colocar o preço fixo em debate, reunindo os principais presidentes de entidades do livro do país, já é por si só, na opinião do presidente do SNEL, “um mérito extraordinário”.
“A união das entidades do livro em torno do assunto já foi um passo muito construtivo para o setor”, afirmou Marcos da Veiga Pereira.
Ao encerrar o seminário, a senadora sugeriu que a lei do preço fixo receba o nome de Lei Carlos Drummond de Andrade e lançou o desafio para que se faça um esforço de trabalho para que, no final do ano, o texto saia do Senado para apreciação da Câmara. Ela disse que gostaria de ver a lei em vigor em 2016.
“Se a lei permitir evitar o fechamento de livrarias e ajudar a ampliar o espaço para o livro no país, terá cumprido o seu papel”, afirmou a senadora Fátima Bezerra.
Com Agência Senado