O presidente do SNEL, Dante Cid, esteve nesta quarta-feira (27) na Associação Comercial do Rio de Janeiro para fazer uma palestra sobre Inteligência Artificial. Sua fala fazia parte de uma série de conversas sediada na ACRJ, no Centro do Rio, que abordam as novas tecnologias. Dante ficou responsável por falar dos impactos na indústria do livro. Em sua fala, ele destacou que, no caso do setor editorial, há muitas oportunidades de ganho, com a otimização de alguns processos, mas, ao mesmo tempo, muitos riscos. A saída para minimizar os riscos e aumentar as oportunidades, ele insistiu, é a regulação.
“Um dos caminhos possíveis seria repetir o que a Califórnia [nos EUA] está tentando fazer nesse momento. As plataformas de IA vão precisar gerar uma marca digital em cada um dos seus resultados, fazendo com que possamos identificar a origem de cada produto”, contou, lembrando que, caso esse procedimento fosse adotado por todo o planeta, “a questão da origem da criação do conteúdo estaria resolvida”. Aliado a isto, o principal pleito do setor é regulamentar a obrigatoriedade de transparência das fontes utilizadas para treinamento da IA a fim de garantir o adequado licenciamento de obras protegidas por direito autoral. “Claro que sempre haverá plataformas piratas, mas com a adoção desses procedimentos, todo o sistema melhora, porque quem estiver jogando na legalidade estaria dentro dessa legislação”.
O assunto está também na linha de frente das discussões legislativas. A Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCTI) do Congresso Nacional agendou audiência pública para quarta-feira (4), às 9h, com o intuito de debater a tecnologia e regulação de sistemas de Inteligência Artificial. O Senador Carlos Viana (Podemos) informou que a previsão é a aprovação do relatório no colegiado em dezembro para seguir ao Plenário.
Os maiores riscos no mercado editorial atual, sugere Dante, são o uso não-licenciado de conteúdos protegidos e a inundação de conteúdo duvidoso. Na literatura em geral, há pessoas que estão programando IA para que escrevam diversos livros por dia e depois vender em lojas virtuais de varejo. Na área técnica científica o problema é ainda pior. Há gente que está criando texto em IA para vender artigos.
“Nenhuma editora do mundo admite IA como autora. Direito autoral é necessariamente de uma pessoa”, explicou Dante, lembrando que defende como primeira política que, se o autor usar a IA, ele tem que avisar. E na área técnico-científica só pode usar a tecnologia para melhorar o texto, nunca para criar sua essência.
“Esse material duvidoso, caso não seja detectado, pode parar numa revista científica. Hoje os textos gerados por IA podem parecer fracos, sem alma, mas daqui a cinco anos, eu acho que poderá ser diferente”, comentou, sublinhando como o problema pode piorar caso sejam publicados textos fraudulentos, com base científica falha, sobre a construção de edifícios e sobre como fazer operações cirúrgicas, por exemplo.
“A Lei de Direitos Autorais [LDA] é clara”, explica Dante, ressaltando o problema da mineração de dados sem autorização, “não é permitido o consumo de material cultural sem que seja licenciado aos donos dos seus direitos. Mas as grandes empresas de tecnologia querem quebrar essa lei. Logo elas, que são multibilionárias. Será que elas não podem pagar?”
O debate aconteceu com o designer e professor da ESPM Marcelo Rosauro, um entusiasta da tecnologia, que elencou uma série de ferramentas que podem ser usadas para criar imagens, vídeos, animações e até textos poéticos. “A tecnologia está a dez passos das razões ético-políticas”, argumentou, para explicar a dificuldade das legislações em controlar a expansão das IAs.
Dante concordou, porém ressaltou a necessidade não de interromper a inovação, cerne de todo processo criativo, mas de perceber que nem toda criação produz necessariamente algo positivo. “Para termos chance de a IA ser boa para os livros, precisamos evitar que a regulação seja influenciada pelo lobby das grandes plataformas tecnológicas. Se a LDA for preservada, o papel de curadoria será sempre preservado e o selo de qualidade será ainda mais importante que hoje”, finalizou.