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Frankfurt 2010: David Grossman recebe Prêmio da Paz

Ao receber o tradicional Prêmio da Paz, concedido desde 1950 pelos livreiros alemães no último dia da Feira de Frankfurt (realizada de 6 a 10 de outubro), o israelense David Grossman não estará sendo homenageado apenas pela qualidade de sua obra. Autor de romances como “Ver: amor” e “A mulher foge” (ambos publicados no Brasil…

Ao receber o tradicional Prêmio da Paz, concedido desde 1950 pelos livreiros alemães no último dia da Feira de Frankfurt (realizada de 6 a 10 de outubro), o israelense David Grossman não estará sendo homenageado apenas pela qualidade de sua obra. Autor de romances como “Ver: amor” e “A mulher foge” (ambos publicados no Brasil pela Companhia das Letras), Grossman é há décadas uma voz ativa no conflito entre Israel e Palestina. Seu engajamento pacifista foi colocado à prova quando seu filho Uri, de 20 anos, foi morto enquanto servia o exército israelense na guerra contra o Líbano em 2006, mas a obstinação com que manteve suas posições depois da tragédia fizeram de Grossman, já então um escritor aclamado, uma referência de sanidade no conflito do Oriente Médio.
Em entrevista coletiva realizada às vésperas da entrega do prêmio, Grossman fez piada com o fato de ser hoje mais procurado para falar sobre política do que sobre ficção (“Agora, por favor, me façam uma pergunta literária!”, disse aos jornalistas, entre risos, depois de mais uma questão sobre Israel). Brincadeiras à parte, o autor reconhece a importância e a urgência de suas intervenções públicas, realizadas por meio de artigos e discursos, que o credenciaram ao prêmio concedido em anos anteriores a intelectuais engajados como o também israelense Amos Oz, a americana Susan Sontag e o tcheco Václav Havel, por exemplo.
– Tantos temas estão conectados com o Prêmio da Paz. Desde que entrei por essa porta (do pavilhão da Feira de Frankfurt), muitas coisas passaram pela minha cabeça. Israel e o conflito. Israel, esse país que nunca teve uma confiança existencial estável e sólida. Esses e outros temas ecoam em minha mente a cada frase que escuto aqui. O que procuro fazer em minha obra é estabelecer um contato entre nossa História e a situação atual – disse Grossman, que receberá hoje o prêmio de 25 mil euros.
Em seu comunicado oficial, o júri do Prêmio da Paz elogiou Grossman por seu “compromisso com a causa da reconciliação entre israelenses e palestinos” e avaliou que em seus romances, ensaios e contos, ele “dá voz literária à difícil tarefa de viver em comunidade, uma voz que é ouvida em todo o mundo”. Para o escritor, a literatura pode intervir na vida em comunidade abrindo brechas para que autor e leitor tentem “entender o outro a partir de sua constituição interior”:
– Normalmente, nós nos esquivamos do outro, especialmente se o outro é um inimigo. Quando escrevo, porém, meu movimento é na direção oposta. Quero ser exposto o máximo possível ao outro sobre quem estou escrevendo. Quero entender esses seres humanos, saber como pensam e que histórias contam a si mesmos. Nós israelenses temos que ser capazes de entender a dor, o sofrimento e os erros dos palestinos. Para resolver um conflito é preciso se expor ao outro. Mas israelenses e palestinos nao veem um ao outro, veem apenas o reflexo de seus próprios sofrimentos e ansiedades.
A dificuldade de compreensão mútua entre os dois lados do conlito pode ser observada na imprensa, observa Grossman, que dirige uma organização não-governamental dedicada a monitorar estereótipos e clichês sobre israelenses e palestinos reforçados pelos meios de comunicação locais. A partir dessa pesquisa, o escritor diz ter concluído que, longe de promover o diálogo, a imprensa estimula as pessoas “a odiarem o outro lado e se autocongratularem pelo que são”. Num ambiente hostil, a empatia entre os dois lados se torna quase impossível, avalia Grossman, que, por sua vez, vê afinidades profundas entre os dois povos:
– Ambos temos uma voltagem emocional semelhante, no sentido de que somos povos ambiciosos e meticulosos. Também partilhamos um certo senso de humor e a propensão à autoironia. Além, é claro, do talento para a autodestruição. Podemos ler uns aos outros de uma forma rara. E acredito que esses dois povos precisam ter a oportunidade ser bons vizinhos. Não preço mais do que isso. Não peço amor entre povos, pois isso é uma idealização. Falo de interesses comuns, e o maior deles é sobreviver. Toda pessoa sã entende o que vai acontecer se a paz não for alcançada.

 

Fonte:  Prosa on line

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