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ADI das biografias não autorizadas pode ser liberada para votação no STF em dezembro

Relatora no Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, sobre biografias não autorizadas, a ministra Cármen Lúcia pretende liberar até o início de dezembro, a ação a fim de que o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, a inclua na pauta de julgamentos do Plenário. A informação foi dada pela própria ministra,…

Relatora no Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, sobre biografias não autorizadas, a ministra Cármen Lúcia pretende liberar até o início de dezembro, a ação a fim de que o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, a inclua na pauta de julgamentos do Plenário. A informação foi dada pela própria ministra, hoje, dia 21 de novembro, no final da audiência pública convocada por ela sobre a questão.

Prevista para ser realizada em dois dias, a ministra optou por ouvir as 17 pessoas que selecionou para participar da audiência pública em um único dia:

“Estamos lutando pela liberdade e a liberdade é sempre plural”, afirmou Cármem Lúcia, informando que todas as manifestações apresentadas durante a audiência serão levadas em consideração para instruir o julgamento da ADI.

No final da audiência pública, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado, informou que na próxima segunda-feira, dia 25, o Conselho Federal da OAB vai deliberar quanto ao pedido de ingresso da entidade nos autos da ADI 4815, na condição de amicus curiae (amigo da Corte). Há ainda a possibilidade de a OAB entrar com uma nova ação sobre a mesma matéria:

“A resposta simplesmente formal de não conhecer da ação não resolveria o litígio posto na sociedade. Compreendemos que é profundamente necessário que o Supremo enfrente o mérito da questão até para que cumpra a função do Judiciário de pacificação dos litígios que ocorram na sociedade”, ressaltou.

Os cinco primeiros expositores da audiência pública sobre biografias não autorizadas, defenderam a inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil que tratam do assunto. A escritora Ana Maria Machado, da Academia Brasileira de Letras (ABL), afirmou que a entidade se posicionou unanimemente a favor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que questiona os dois artigos.

Na sua avaliação, a necessidade de autorização prévia do biografado ou dos seus herdeiros é uma “ameaça à cultura e literatura nacional”. Segundo ela, a censura privada é “inaceitável” e traz graves prejuízos econômicos à produção de livros e à sociedade:

“As biografias constituem gênero literário e fonte histórica. Não podemos prescindir delas. A continuidade da civilização se fez lentamente pelo acúmulo de obras históricas e literárias. A literatura permite conhecer a sociedade através dos tempos. Conhecer a vida dos nossos antepassados é uma ferramenta fundamental para a construção do nosso futuro e a formação da nossa identidade cultural”, sustentou a escritora.

Para Ana Maria Machado, condicionar a publicação de biografias à autorização prévia significa aceitar que o arbítrio pessoal prevaleça sobre a livre manifestação de expressão.

“Essa interpretação restringe a criação, compromete a literatura e empobrece a história brasileira. Outro grave risco está na abertura da porta para a censura à imprensa”, apontou.

Roberto Dias, da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD), afirmou que o Estado não deve somente se abster de praticar a censura, mas deve atuar pela liberdade de expressão:

“A autorização prévia suprime o pluralismo e afeta o regime democrático. Não há censura do bem e do mal. Há apenas uma censura, aquela proibida pela Constituição Federal”, argumentou.

Para o representante da ABCD, as pessoas notórias têm sua esfera de proteção de intimidade reduzida por serem pessoas públicas. Ele destacou ainda as dificuldades enfrentadas pelos biógrafos brasileiros e lembrou que o STF revogou a Lei de Imprensa, editada durante a ditadura militar.

“Hoje, a censura se dá por decisões judiciais pontuais, não pelo Estado, como era na ditadura”, sublinhou.

O escritor Alaor Barbosa dos Santos, da União Brasileira de Escritores, defendeu que os artigos 20 e 21 do Código Civil não deveriam existir, pois são inconstitucionais:

“Nesses artigos, não existe referência alguma ao gênero livro e espécie biografia. É um equívoco intelectual primário interpretar que é necessária a autorização prévia para biografia e a consequente possibilidade de proibi-la. Criou-se artificialmente uma categoria nova e imaginária de livro: a biografia não autorizada”, apontou.

A seu ver, o artigo 5º, inciso 9, da Constituição Federal (é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença), protege o trabalho dos biógrafos .

“As proibições de biografias pela Justiça têm sido lamentáveis e desastrosas proezas contra a Constituição. É proibido no Brasil proibir livro”, destacou, lembrando que o inciso 10 do mesmo artigo prevê o direito à indenização no caso de violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. “A Constituição é, antes de tudo, libertária”, concluiu.

O professor José Murilo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que hoje o estudo dos protagonistas da história e dos simples cidadãos voltou a ser instrumento para entender a história.

Submeter as biografias à censura prévia elimina a possibilidade de produção de obras confiáveis. A censura de biografia e da história priva o acesso à informação. A história não pode ser escrita sem as biografias”, defendeu ele, que escreveu um livro sobre D. Pedro II.

Para o professor, é incoerente personalidades públicas defenderam a autorização prévia. “As pessoas públicas optaram pela vida pública e vivem financeiramente do público. Viver do público e ao mesmo tempo privar o público da sua vida privada é incoerência. A censura às biografias pode tornar inviável a publicação de notícias e opiniões que podem ser interpretadas como ofensa à honra”, ponderou.

O representante da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão, Leo Wojdyslawski, relatou que há um desconforto na produção audiovisual devido à insegurança jurídica. Segundo ele, vários documentários, inclusive já finalizados, não puderam ser exibidos, pois os biografados ou seus herdeiros não autorizaram.

“Há uma grande demanda para produções nacionais por causa da Lei da TV por Assinatura, mas estamos com grande dificuldade de cumprir a cota de produção nacional, porque o documentário tem sido muito ameaçado”, salientou. Ele citou que, na questão das informações sobre intimidade das pessoas, há três situações mais comuns na Justiça.

“No caso de matérias da imprensa, as decisões têm sido favoráveis à liberdade de expressão. Na publicidade, em relação ao uso de imagens para fins publicitários, acontece o contrário, permanecendo o direito de imagem. Já sobre filmes e biografias, há decisões para todos os lados. Tem sido caso a caso. Não há uma harmonização da jurisprudência, o que causa uma insegurança jurídica que desestimula os projetos nessa área”, frisou.

Representando a Comissão de Direito Autoral da Ordem dos Advogados do Brasil da seccional de São Paulo (OAB/SP) na audiência pública sobre biografias não autorizadas, a professora universitária e advogada Silmara Chinelato defendeu que não há hierarquia entre os princípios constitucionais da liberdade de expressão e o direito à vida privada. Segundo ela, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido hora em favor da prevalência de um princípio, ora em favor de outro, de acordo com cada caso.

A professora lembrou dois julgamentos de grande repercussão em que o STF teria decidido de forma diversa, de acordo com o caso concreto, ao citar a chamada ADI do Humor nas Eleições (ADI 4451). Ao julgar essa ação, o Supremo suspendeu dispositivos da Lei Eleitoral que proibiam a veiculação de charges e humor com candidatos em emissoras de rádio e de televisão.

Em sentido diferente, Chinelato citou o julgamento do Habeas Corpus (HC) 82424, em que Siegfried Ellwanger pretendia reverter uma condenação pelo crime de racismo, por promover em livros escritos, editados e vendidos por ele, ideias antissemitas contra judeus. Nesse julgamento, o STF, por maioria, manteve a condenação.

Para a professora, o Código Civil de 2002 é uma conquista em defesa da pessoa. Ela acrescentou que não há relação de causa e efeito entre liberdade de expressão e direito à vida privada, de forma que se distinga também o que é interesse público e o que é curiosidade do público.

Para a representante da OAB, “a liberdade de expressão não é absoluta e as liberdades públicas não são incondicionais”, de forma que “a responsabilidade existirá sempre, em tese, com ou sem consentimento do biografado”, acrescentando, por outro lado, que “o biografado não é detentor de direito autoral”.

Segundo ela, a interpretação do artigo 20 e 21 do Código Civil à luz da Constituição Federal “dispensa a autorização, mas não afasta a responsabilidade civil se houver dano patrimonial ou moral”, ao defender que não há hierarquia entres os dois princípios constitucionais: o da liberdade de expressão e o da privacidade.

Ao se pronunciar na audiência pública, a representante do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, fez uma defesa veemente da liberdade de expressão e, portanto, contra a censura de qualquer natureza.

Segundo ela, o instituto que representa advoga em favor da plena liberdade de ideias, pensamento e expressão, em consonância com as garantias fundamentais estabelecidas pela Constituição. Para Patrícia Blanco, a manifestação do pensamento deve ser divulgada independentemente de censura ou autorização.

Ela acrescentou que, em todo o mundo, a biografia é considerada um gênero literário autônomo e que a possibilidade de autorização prévia cria situações absurdas, como a necessidade de um escritor ter de pedir autorização às famílias de vítimas da II Guerra para escrever sobre o Holocausto.

“Escrever uma biografia implica responsabilidade com a história, com a verdade. Se existem equívocos, inverdades, ou difamação, o autor responderá a posteriori”, afirmou.

O deputado Newton Lima afirmou, durante a audiência, ser preciso “impedir que se estabeleça a censura prévia”. O parlamentar é autor do projeto de lei 393/2011, que dá nova redação ao artigo 20 do Código Civil, retirando do dispositivo a exigência da autorização prévia para a publicação de informações sobre a vida particular de pessoas públicas.

Na avaliação do parlamentar, a iniciativa procura afastar “resquícios legais da censura, ainda presente no artigo 20 do Código Civil, e evitar o cerceamento do direito de informação, tão caro aos brasileiros, após anos de ditadura”. Segundo ele, os direitos privados de uma pessoa pública são relativizados, “devendo a pessoa arcar com o bônus e o ônus de ser uma pessoas pública”.

Newton Lima citou como exemplo do que classifica de “restrição ao acesso à informação” a proibição do documentário “Di”, de Glauber Rocha, em homenagem ao pintor Di Cavalcanti, e outros casos de condenações de editoras e biógrafos que publicaram biografias não autorizadas de cantores, jogadores de futebol e poetas.

O deputado ressaltou que a inexigência de autorização para publicação de obra biográfica não significa atentado à dignidade da pessoa humana e que em outros países os interesses da coletividade em ter acesso às informações são garantidos independentemente de autorização.

Na avaliação d do representante do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav/RJ), Claudio Lins de Vasconcelos, “a produção de obras biográficas, qualquer que seja sua linguagem, deve ser, sempre que possível, livre”. Para o professor universitário e doutor em direito internacional e em propriedade intelectual, “a liberdade de expressão e de acesso à informação é um princípio estruturante da nossa ordem constitucional e do conceito de democracia, e nenhuma norma infraconstitucional pode ser interpreta de forma a violar esses princípios”.

O professor lembrou que o artigo 5º da Constituição Federal, após garantir plena liberdade de expressão artística e intelectual, assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da eventual violação da intimidade, da honra, da vida privada ou da imagem da pessoa. Assim, considera que, “verificado o dano, cabe indenização a posteriori”, afirmando que “a censura prévia não apenas não está prevista na Constituição como está textualmente proibida”.

Nesse sentido, o Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual se manifesta contra os artigos 20 e 21 do Código Civil, defendendo a procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4815) ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros contra os dispositivos.

Na avaliação de Cláudio Vasconcelos, os dispositivos, na forma como estão sendo interpretados “além de dar margem a atos comparáveis à censura, estão causando sérios danos à documentação histórica e celebração estética da memória cultural brasileira, bem jurídico também tutelado constitucionalmente”.

Também participaram da audiência pública os deputados federais Ronaldo Caiado e Marcos Rogério. Enquanto Caiado defendeu mudanças nos dispositivos do Código Civil que tratam da matéria, Marco Rogério afirmou que os artigos 20 e 21 do Código não afetam a liberdade de expressão e devem ser mantidos.

Caiado concordou que a restrição prevista no Código Civil institucionaliza uma espécie de censura prévia. “Houve aí um grave erro do legislador”, afirmou. Entretanto, chamou atenção para a necessidade de se criar um rito célere para identificar e punir a eventual divulgação de informação inverídica em biografias.

“É indispensável que se alcance um ponto de equilíbrio que não inviabilize a liberdade de pensamento e expressão, mas que também não faça do direito uma letra morta”, disse.

Para o parlamentar, o projeto de lei do deputado Newton Lima propõe corrigir o “deslize do legislador” no que se refere ao artigo 20 do Código Civil. O Projeto de Lei (PL) 393/2011 dá nova redação ao dispositivo, retirando a exigência de autorização prévia para a publicação de informações sobre a vida particular de pessoas públicas.

Caiado acrescentou que emenda feita ao projeto apresentada por ele prevê que eventual medida judicial somente poderá ser apresentada após a obra já estar em circulação e visará apenas a exclusão do trecho ou trechos eventualmente caluniosos, difamatórios ou inverídicos por meio de um rito judicial mais célere (Lei dos Juizados Especiais).

O deputado Marcos Rogério afirmou que a Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que questiona os dois artigos do Código Civil na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, que será julgada pelo Supremo, quer, na verdade, “expor a intimidade das pessoas com fins, em muitos casos, comerciais”. De acordo com ele, os dispositivos questionados na ação estão em consonância com a Constituição Federal.

“A lei de regência civil não impede a publicação de biografias, apenas coloca ressalvas objetivas para defender a dignidade da pessoa humana”, disse. Ele ressaltou que preservar a dignidade das pessoas é obrigação do Estado, e que a liberdade de expressão não é um valor absoluto.

 

A representante do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNE), Sônia da Cruz Machado de Moraes Jardim, ressaltou que hoje os editores são reféns da insegurança jurídica. Segundo ela, esses profissionais leem o original de um livro com “olho de censor”, atentos a possíveis ações judiciais que possam ser propostas contra o texto.

“Os artigos 20 e 21 do Código Civil têm sido interpretados [pelo Poder Judiciário] no sentido da autorização prévia do biografado ou das pessoas interessadas”, disse.

Sônia afirmou que essa regra é “absolutamente incompatível” com o “espírito” da Constituição e gera “gravíssimos efeitos deletérios” sobre o livre mercado de ideias e informações. Ela frisou o “efeito silenciador daqueles que se veem proibidos de divulgar suas obras” em razão do veto de biografados e familiares; “o efeito distorcido” sobre fatos, documentos, depoimentos e informações vetados; e a criação de um “verdadeiro balcão de negócios” em torno de licenças que alcançam “cifras elevadas que muitas vezes inviabilizam a obra”.

Ela defendeu uma “célere e efetiva intervenção judicial” em casos de crimes de calúnia, injúria e difamação, mas destacou que “não cabe ao biografado, a seus familiares, nem a qualquer juiz ou outra autoridade pública avaliar caso a caso o grau de interesse público de determinada informação constante de obra biográfica”.

O representante do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Ivar Alberto Martins Hartmann, destacou decisões recentes do Supremo no sentido de garantir a liberdade de expressão, como ocorreu no caso da “marcha da maconha” (ADPF 187) e da Lei de Imprensa (ADPF 130).

“Esperamos que os ministros do Supremo venham a dar procedência a essa ação direta de inconstitucionalidade, a afastar, no mínimo, a interpretação errônea do artigo 20 e 21 do Código Civil, que tem sido usada para exigir licença prévia para que seja publicado todo e qualquer tipo de obra”, disse, ao referir-se à ADI 4815.

Ele destacou que o que é “mais caro” ao IHGB é a publicação, sem qualquer licença prévia, de pesquisas acadêmicas, mas que biografias e reportagens também podem ser prejudicadas. “Há um grande risco se a decisão for a de deixar a cada juiz o sopesamento livre dos valores envolvidos, sem fixação de um critério mais objetivo, porque, nesse caso, cada pesquisador vai passar o resto de sua vida pensando os seus potenciais futuros trabalhos sob a ótica do censurador, sob a ótica do risco”, concluiu, finalizando que o critério deve ser o de se identificar a má-fé no que se relata, já que em pesquisa acadêmica não existe “verdade absoluta”.

Fonte: site STF

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