
(Por Monica Ramalho* – Especial para o SNEL)
Elas estão espalhadas pelas cidades, mas há gente que nunca se dispôs a entrar. E, por outro lado, há outro tanto de gente que descobriu o universo dos livros entre as quatro paredes desse mesmo lugar. Estamos falando de uma biblioteca, seja na escola, seja no bairro. O valor das bibliotecas renderam duas mesas nos debates matinais do segundo e último dia da 2ª edição do Rio International Publishers Summit. O evento sobre o mercado literário é uma realização do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e trouxe uma vasta e gratuita programação ao auditório do Hotel Lagune – a poucos metros do Riocentro, que será palco da Bienal do Livro Rio entre os dias 13 e 22 de junho.
O painel “Para além da capa: o que os dados revelam (e escondem) sobre o mercado editorial” aprofundou as trocas de informações sobre o setor iniciadas na quarta-feira (11), primeiro dia de evento. Números já alcançados e projeções feitas por profissionais de destaque apontam caminhos para o futuro do setor. Três desses nomes de peso conversaram entre si, diante de uma plateia atenta: a educadora social e coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac), Bel Santos Mayer, a coordenadora de pesquisa econômica da Nielsen Book, Mariana Bueno, e o editor Marcos da Veiga Pereira, o neto do editor José Olympio que já presidiu o SNEL e hoje é um dos seus diretores.
As falas doces e assertivas de Bel Santos Mayer abraçaram a plateia nessa tarde de inverno carioca. A educadora contou que começou a olhar a circulação das mulheres nas comunidades e percebeu que eram elas quem estavam à frente dos bons movimentos. “Essas mães são mobilizadoras. Pensamos: Imagina se a literatura estiver nas mãos delas… O que vai acontecer?”. E, de fato, aconteceu: Em três anos,com o seu projeto, a média de uma casa que não tinha um livrinho sequer passou a ser de seis obras, de gêneros variados. “É incrível como isso começa a transformar tudo ao redor e você vê essas mulheres fazendo uma curadoria literária também”, falou Meyer.
Números de não leitores crescente
Mediadora do painel, a editora da Fósforo e também integrante da diretoria do SNEL, Rita Mattar, resgatou as alarmantes descobertas que deram o que falar quando divulgadas pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em 2024 – pela primeira vez, em seis anos, o país registrou mais não leitores do que leitores. Em outra pesquisa, a Produção e Vendas, percebe-se que, mesmo com o Produto Interno Bruto (PIB) da nação em crescimento, as vendas de livros não acompanharam a curva ascendente das estatísticas. Foi interessante escutar o que Pereira e Bueno, que dialogam fortemente quando o assunto é pesquisa, pensam a respeito.
Para ele, a grande questão parece ser a qualidade dessa leitura, para além dos percentuais. “Acredito que os dados mostram que não estamos usando esses dados para influenciar as políticas públicas. No Ministério da Educação, muito se discute sobre compra de livro e se fala pouquíssimo sobre a formação de bibliotecários”, ponderou. Pereira lida há muito tempo com pesquisa e nota que ainda é pequena a capacidade de editores de influenciar as ações governamentais nesse sentido.
Mariana Bueno aponta um dado interessante para se pensar política pública para o livro: “Mais do que o livro em si e o acervo da biblioteca, o impacto positivo vem através de um bom mediador. E, quanto mais baixa a renda do aluno e da localidade onde a escola está, maior é o impacto do mediador dessa leitura e do rendimento escolar”, notou, destacando outro dado que deve servir como um farol para o mercado de livros nos próximos anos. Em 2024, mulheres de 45 a 57 anos, das classes sociais C e D, moradoras do Nordeste, foram as que mais colocaram livros na sua cestinha online. Isso porque há menos livrarias e bibliotecas do que deveria fora do Sudeste brasileiro.
Acesso à leitura
O painel seguinte, “Na mesma página: como os programas de livros ampliam o acesso à leitura” reuniu duas coordenadoras do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE): Raphaella Rosinha Cantarino, à frente da pasta de Materiais Didáticos do Ministério da Cultura (MinC), e Patrícia Costa Dias, que coordena os Programas do Livro do FNDE, sob mediação de Ângelo Xavier, presidente da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), e também membro da diretoria do SNEL.
“O PNLD é o maior programa de distribuição gratuita de livros didáticos e literários do mundo, para escolas e bibliotecas públicas, mas nem por isso está totalmente pronto. Desde que cheguei, em 2023, tenho trabalhado com o fim de mudar algumas coisas, principalmente na avaliação pedagógica. Ampliamos o banco de avaliadores, incluindo professores de todas as regiões do país. Já começamos a mudar alguns fluxos”, explicou Cantarino. Cerca de 800 pessoas foram destinadas a avaliar 122 coleções, sob a coordenação de dez funcionários do MinC.
Xavier ressaltou que o PNLD, o programa mais antigo do Ministério da Educação (em dezembro, ele completa 88 anos, enquanto o MEC está com 95 anos) cumpre um papel fundamental ao distribuir 100 milhões de livros para 30 milhões de alunos da rede pública de ensino do Brasil. No entanto, o PNDL é o primeiro passo. O governo distribui o livro por meio do programa, mas há uma jornada em vista. É fundamental que editores, livreiros e autores se unam para incentivar a garotada a ler mais.
* Jornalista, fotógrafa e criadora do podcast Um Oceano Delas, sobre literatura feita por mulheres.