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Avançando para trás

Por Roberto Feith   A proposta do Ministério da Cultura para uma nova Lei do Direito Autoral é uma tentativa de reformar o que não está quebrado. Ela é fruto de uma arrogância bem intencionada; os arquitetos da proposta são movidos por uma vontade genuína de melhorar o mundo e tomados pela convicção de que…

Por Roberto Feith

 

A proposta do Ministério da Cultura para uma nova Lei do Direito Autoral é uma tentativa de reformar o que não está quebrado. Ela é fruto de uma arrogância bem intencionada; os arquitetos da proposta são movidos por uma vontade genuína de melhorar o mundo e tomados pela convicção de que sabem, melhor do que ninguém, como fazer isto. Lembram os arquitetos da finada Lei da Informática; o contexto era diferente, mas os responsáveis pelos dois projetos têm em comum a convicção que sabem como corrigir os “erros” da sociedade. O resultado, num e outro caso, são projetos de lei confusos, autoritários e retrógrados.

 
O projeto do Minc é confuso porque trata de forma igual setores com dinâmicas distintas. Na vida real, complexa e multifacetada, o mundo da música é diferente do mundo do livro, que é diferente do mundo do cinema, que é diferente do mundo das artes plásticas. Os idealizadores do novo projeto de lei, no seu furor regulatório, atropelaram este fato singelo e indiscutível.

 
O projeto é autoritário porque cria a figura sem precedente da “licença não voluntária”. Esta terminologia opaca quer dizer que, quando entender que há motivo, o governo poderá declarar nulas as disposições do autor sobre sua obra. Mas quem determinaria quando “há motivos”? Não se preocupem, esta medida de última instância ficaria em mãos qualificadas: nada menos do que o presidente da República.

Este é um aspecto inusitado da proposta, pois nem o mais ingênuo dos mortais poderá pensar que o presidente vai tratar desta questão. Na verdade, se aprovada a proposta do Minc, o presidente delegará este poder ao órgão que geralmente trata do tema — o próprio Minc.

 
A tese de que esta intervenção radical seria justificada pelas restrições que alguns autores determinam “de forma não razoável” para o uso de suas obras, se encaixa no dito popular: pior a emenda do que o soneto. Quebra-se um princípio fundamental para o estímulo à produção intelectual, princípio que vem sendo reforçado em todo o mundo e integra a Constituição brasileira desde 1891, para tratar de um problema que se aplica, se tanto, a um punhado de casos.

 
A proposta do Minc é retrógrada porque, num mundo no qual a capacidade de pesquisa e inovação é determinante para o progresso das nações, o projeto legaliza a cópia não autorizada e não remunerada, contanto que “para fins educativos”. Sim, é isto mesmo, segundo o projeto, quando for para fins educativos, não vale o direito do autor.

 
São tantas as consequências nefastas desta proposta que é difícil enumerá-las. A mais grave é o desincentivo à produção intelectual brasileira. Ou será que os redatores do projeto acreditam que autores e pesquisadores vão dedicar anos de trabalho para escrever obras sem perspectiva de recompensa pelo seu labor? Se este dispositivo for implantado, a produção de obras educacionais cairá e escolas e universidades brasileiras terão que, cada vez mais, usar livros produzidos em outros países, nos quais a criação acadêmica, científica e intelectual é incentivada e protegida.

 
É difícil de acreditar que num país no qual o número de universitários dobrou na última década, mas, como consequência da reprografia ilegal, a publicação de obras técnicas e científicas caiu 40%, um projeto de lei do próprio governo agrave a situação de um setor estratégico que está sendo varrido do mapa pela violação sistemática do direito autoral.

 
É por isto que a Academia Brasileira de Letras, o Sindicato Nacional dos Editores de Livro e inúmeras outras entidades se posicionam firmemente contra este projeto de lei, descrito pelo Minc como modernizador e democrático, mas que é precisamente o contrário.

 
Ultimamente o Ministério da Cultura desenvolveu algumas iniciativas de qualidade, como uma política vigorosa na ampliação e capacitação de bibliotecas públicas. Mas a proposta de alteração da Lei do Direito Autoral é um grave equivoco. Esperamos que o novo ministro da Cultura abandone este projeto que levaria a um retrocesso sem precedentes para o país.

 

Roberto Feith é Vice-Presidente para Assuntos Administrativos do Snel

Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, de 19/12/10

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